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O mundo está a ver?

“O mundo está a ver?”, pergunta a Euronews sobre a gravíssima crise em que a Bulgária está mergulhada há meses.

É claro que não.

Se houvessem manifestações diárias, com dezenas de milhares de pessoas, durante duas semanas e meia num qualquer país árabe, teríamos destaques nas notícias todos os dias.

Como é na Bulgária, um país da União Europeia aparentemente insignificante, quase ninguém fala do assunto.

Já aqui o disse e repito: se isto correr mesmo mal, é no Leste que a corda rebenta.

Enquanto não olhamos…

Enquanto andamos ocupados com os nossos próprios problemas, enquanto olhamos obsessivamente para a Zona Euro, para Bruxelas, para o senhor Draghi e para a senhora Merkel, a Europa de Leste começa a arder em lume cada vez menos brando. Veja-se o que se está a passar na Bulgária e na Hungria (aqui e aqui).
Tal como aconteceu repetidamente nos últimos séculos, é nesta região que o destino da Europa se vai definir. As heranças imperiais otomanas a austro-húngaras continuam a ebulir e agora não há russos para as abafar, nem euros que cheguem para as diluir. O senhor Juncker bem avisa os incautos para terem juízo: não é por termos tido paz nas últimas sete décadas (ex-Jugoslávia à parte) que a vamos ter para sempre. A Europa pode ter uma nova guerra. E não é preciso muito para a começar.

Ministro confirma negociações para venda de F-16

O ministro da Defesa, José Pedro Aguiar-Branco, confirmou ontem nos Açores aquilo que já tinha aqui noticiado várias vezes: Portugal está a negociar com a Roménia e a Bulgária a venda de caças F-16 da Força Aérea.

Aguiar-Branco diz que o número de aviões a vender pode ir de nove a doze. Curiosamente, o governo búlgaro oficializou recentemente a decisão de comprar oito caças, com a escolha final a ser feita até 1 de Março. Não obstante várias fontes darem como certo que os F-16 portugueses serão os escolhidos, com o negócio a chegar aos 360 milhões de euros, a verdade é que parece haver divisões no governo búlgaro relativamente a esta matéria.

Outra informação interessante dada pelo ministro da Defesa é que esta venda, a concretizar-se, pode “facilitar e criar condições para que o reequipamento da própria Força Aérea seja mais forte do que é neste momento”. Deduz-se daqui que pelo menos parte da receita da venda dos caças poderá ser aplicada na compra de novos equipamentos, e aqui há duas prioridades claras, apontadas recentemente pelo chefe do Estado-Maior da Força Aérea: a substiuição dos aviões de treino Alpha Jet e dos helicópteros Alouette III, que não podem voar para além de 2018.

Mesmo que o negócio avance nos moldes noticiados, e mesmo que a Força Aérea fique com todo o dinheiro daí resultante, 360 milhões não dão para muito. Em 2009, a Itália aceitou pagar 220 milhões de euros por apenas seis aviões de treino avançado Aermacchi M-346 Master. A não ser que a Força Aérea ainda tenha esperanças de conseguir convencer os sul-coreanos a trazer os seus T-50 para Beja, o que dispensaria Portugal de comprar novas aeronaves deste tipo, não se vê maneira de conciliar a substituição simultânea dos Alpha Jet e dos Alouette.  A não ser que alguma alma caridosa ou mais imprevidente aceite pagar uma quantia inesperada pelos velhos Puma e Aviocar

Agora são os búlgaros

 

F-16 da Força Aérea Portuguesa
Fonte: USAF

Já aqui tinha falado do interesse da Roménia em comprar os F-16 excedentários que Portugal tem para vender. Agora parece que há mais um pretendente – a Bulgária.

De acordo com uma notícia emitida pela TVI24, que parece não estar disponível na sua página de Internet, os búlgaros até parecem estar a levar vantagem nas negociações, mas, tal como no caso romeno, há que ir com cautela. Ambos os países estão numa situação económica e financeira muito delicada, e ainda por cima têm a União Europeia a pressionar os respectivos governos para que realizem compras deste género de forma bem mais transparente – e , de preferência, beneficiando empresas europeias como a Saab e a British Aerospace, que estão desesperadas para vender o Grippen.

A confirmar-se esta notícia, o Governo português está já a precaver-se no que diz respeito à Roménia: se o negócio for fechado com este país, os aviões serão só entregues em 2016, depois de terem sido completamente pagos. O valor da venda pode ultrapassar os 450 milhões de euros, a pagar entre 2013 e 2016.

 

Atentado na Bulgária II

Há mais alguns detalhes sobre o atentado de ontem contra um grupo de turistas israelitas na Bulgária.

O bombista suicida tinha em sua posse uma carta de condução falsa do estado norte-americano do Michigan. Isto é significativo, na medida em que uma das comunidades árabes mais importantes dos Estados Unidos está situada em Dearborn, uma cidade daquele estado.

Os árabes de Dearborn já foram acusados várias vezes de terem ligações terroristas, mas nada de muito substancial foi comprovado. A carta de condução falsa pode ser uma pista legítima, ou apenas uma tentativa de desviar as atenções dos verdadeiros executores do atentado.

Atentado na Bulgária

 

O ataque bombista de hoje contra turistas israelitas na Bulgária é o mais grave de uma série de atentados que têm ocorrido este ano, mas que têm sido pouco notados.  O primeiro-ministro de Israel já veio culpar o Irão pelo ataque, o que pode parecer apressado à primeira vista, não fosse o facto de os serviços de antiterroristas de Tel Aviv andarem a lançar alertas nesse sentido desde, pelo menos, Fevereiro.

Benjamin Netanyahu não parece ser o tipo de chefe de governo que vá aceitar isto sem retaliação. No pior dos casos, este atentado pode ser a desculpa que os “falcões” da coligação governamental (e há-os bem mais radicais do que o primeiro-ministro) precisavam para impor um ataque de larga escala ao Irão. Na perspectiva mais realista, creio que a Mossad vai receber mais algumas “missões especiais” nos próximos meses – ou não andasse ela já tão ocupada por aquelas bandas.

 

A Leste, muito de novo III

É por isto que a revista The Economist é uma das três ou quatro melhores publicações do mundo. Quem mais se dá ao trabalho de publicar em poucos dias três excelentes artigos sobre a Roménia, a Bulgária e a Hungria?

Quem quiser perceber a violenta tempestade que se está a formar a Leste por estes dias tem de acompanhar a cobertura que a The Economist tem feito do tema. A não perder, mesmo.

A Leste, muito de novo

No último post tinha prometido que iria abordar com mais detalhe a situação muito difícil que se vive no Leste da Europa. Como escrevi um artigo sobre esse mesmo assunto para o número de Maio da revista “Família Cristã”, deixo-vos aqui uma versão ligeiramente encurtada desse texto, que julgo que se mantém perfeitamente actual.

O artigo não está disponível na página da revista, caso contrário deixar-vos-ia a respectiva hiperligação.

Aqui fica.

 

A Europa e a crise

Nuvens a Leste

A crise das dívidas soberanas centrou as atenções mundiais nos países do Sul da Europa nos últimos dois anos. Entretanto, a Leste, desenvolvimentos importantes passaram quase despercebidos. Alguns dos países da região têm enfrentado  grandes dificuldades económicas e financeiras, o que deu mais popularidade a alguns partidos extremistas. Velhos fantasmas, como os do nazismo e do anti-semitismo, começam a ressurgir.

O parlamento húngaro foi palco de um incidente revelador no dia 4 de Abril deste ano. O deputado Zsolth Barath, do partido Jobbik, de extrema-direita, decidiu discursar sobre um episódio acontecido no seu país… em 1882.

O parlamentar criticou a decisão de um juiz de absolver vários judeus de um alegado homicídio ritual de uma jovem camponesa. Segundo Barath, o magistrado tinha provas de que os homens eram culpados, mas libertou-os porque foi pressionado para tal. Caso tivesse havido uma condenação, garantiu o deputado, os grandes financeiros europeus da altura – judeus, claro está – levariam a Hungria à bancarrota.

As palavras de Zsolth Barath foram rapidamente condenadas por partidos do Governo e da oposição, tendo sido mesmo exigido que ele se demitisse. Todavia, apesar de todos os protestos, parece haver um grande número de húngaros que defendem posições extremistas como esta: nas últimas eleições, em 2010, o Jobbik conseguiu quase 17% dos votos, tornando-se assim no segundo principal partido da oposição. O seu triunfo foi alcançado com base num discurso caracterizado pelo nacionalismo extremo e pelos ataques contra judeus e ciganos.

Um dos líderes da comunidade judaica húngara afirmou que o discurso racista está a tornar-se cada vez mais comum no parlamento, e que a situação atingiu uma gravidade inédita desde o regresso da Hungria à democracia, há pouco mais de vinte anos. O rabi Slovo Koves disse mesmo que “o anti-semitismo escalou até um ponto tal que já não pode ser ignorado por nenhuma pessoa decente”.

Tudo isto se passa num país em que judeus e ciganos foram perseguidos durante séculos, e que foi aliado da Alemanha nazi durante a Segunda Guerra Mundial. Em 1945, após o fim do conflito, mais de 600 mil de judeus húngaros tinham morrido nos campos de concentração – cerca de dois terços daqueles que ali viviam antes da guerra. O mesmo aconteceu com cerca de 30 mil ciganos.

O partido Fidesz, que está no poder desde 2010, foi um dos que se pronunciou contra o discurso de Zsolth Barath, mas não se pode dizer que o seu registo democrático seja brilhante – embora a outros níveis.

Os conservadores, liderados pelo primeiro-ministro Viktor Orbán, têm demonstrado um grande apego ao poder – tão grande, aliás, que até levou a União Europeia a tomar medidas de uma dureza inédita contra um estado membro.

No centro da controvérsia está a nova constituição húngara, que concentra nas mãos do executivo e do partido que o apoia um conjunto muito grande de poderes, especialmente no que diz respeito ao controlo da Justiça e dos meios de comunicação social. De acordo com as novas regras, o Governo nomeia quem bem entende para magistratura, o que coloca em causa o princípio da independência do poder judicial.

Perante a ameaça de sanções de Bruxelas, em especial a suspensão dos fundos europeus, o governo de Orbán recuou parcialmente, e prepara alterações em algumas leis. Contudo, se o faz, é apenas porque as circunstâncias económicas e financeiras assim o ditam. Em 2008, a Hungria esteve à beira de cair na bancarrota, e só salvou dela graças à ajuda do Fundo Monetário Internacional (FMI) e da União Europeia. De então para cá, o país adoptou a costumeira receita da austeridade, com resultados já familiares: o défice público desceu, mas não o suficiente, e a actividade económica está estagnada. Resultado: a Hungria precisa novamente de apoio externo e, por isso, Viktor Orbán não se pode dar ao luxo de virar as costas à Comissão Europeia, embora, para consumo interno, diga isso mesmo repetidamente.

É neste quadro de agitação política e crise económica que temos de colocar o crescimento do extremismo, do racismo e dos sentimentos antidemocráticos – quer na Hungria, quer noutros países da Europa de Leste.

Vizinha da Hungria, a Roménia passa por todos estes problemas, com uma agravante: a sua população é muito mais pobre. Também os romenos foram obrigados a recorrer à ajuda externa, e também eles foram obrigados a engolir a amarga pílula da austeridade imposta de fora. Os rendimentos, já de si muito magros, de pensionistas e funcionários públicos foram cortados até níveis infra-humanos. Em muitos casos, as pessoas não têm mais do que algumas dezenas de euros por mês para sobreviver.

Perante este quadro, a contestação aumentou exponencialmente. Durante o Inverno, sucederam-se as manifestações exigindo a demissão do governo de centro-direita, e ele acabou mesmo por cair em Fevereiro.

Não é que faça muita diferença. O novo executivo, que continua a ser da confiança do presidente Traian Basescu, terá de continuar a cumprir o programa da União Europeia e do FMI.

O que também não mudará muito é a atitude de grande parte da população em relação aos ciganos, um grupo muito discriminado há séculos. Nos últimos anos, a situação tem vindo a piorar, com extremistas a incitarem abertamente ao ódio racial, um fenómeno comum à Hungria, à Bulgária, à Ucrânia e a outros países da zona.

No caso romeno, o Partido da Grande Roménia (PRM) é a principal força política de extrema-direita. Os seus alvos preferidos são os ciganos e a minoria húngara que vive no país, e o seu objectivo principal é estender as fronteiras da Roménia a todos os territórios que lhe pertenceram até à Segunda Guerra Mundial. Isto significa que os ultranacionalistas romenos reclamam a reintegração da Moldávia e de partes da Bulgária e da Ucrânia.

Estas aspirações territoriais são mais um factor que potencia o extremismo na Europa de Leste. Ao contrário do que se passa noutras regiões do continente, ali ainda há muitos problemas fronteiriços latentes, que renascem com facilidade na mente das populações quando são relembradas por políticos populistas. Em alguns casos, são mesmo os partidos teoricamente mais centristas que assumem essas causas, na tentativa de captar votos e distrair as atenções do eleitorado das questões económicas e sociais que geram mais insatisfação.

Algo semelhante a isto aconteceu na Bulgária nos últimos anos. O partido nacionalista Ataka obteve quase dez por cento dos votos nas últimas eleições legislativas, em 2009. Devido às suas posições extremistas, que colocam os ciganos e os turcos como a origem de quase todos os males que afligem os búlgaros, o Ataka foi posto de lado pelos outros partidos no que diz respeito à formação de coligações.

Todavia, isso não o impediu de influenciar a actuação do Governo. Mesmo sem um acordo explícito, os nacionalistas apoiaram o governo minoritário do primeiro-ministro Boyko Borisov, que acabou por adoptar algumas das políticas defendidas pelo Ataka.

Para além do nacionalismo estridente e da identificação rápida de supostos inimigos nacionais (judeus, ciganos e outras minorias), os partidos extremistas da Europa de Leste têm outra característica comum: a denúncia da corrupção, especialmente entre os políticos dos partidos com acesso ao poder.

Este é um aspecto decisivo do seu apelo, uma vez que a corrupção e o crime organizado têm uma enorme preponderância na maior parte dos países desta zona da Europa. Em Fevereiro deste ano, por exemplo, milhares de pessoas vieram para as ruas de Bratislava, a capital da Eslováquia, para protestar contra um esquema de corrupção que terá sido descoberto pelos serviços secretos daquele país. Os dados que vieram a público indicam que políticos da coligação governamental terão recebido milhões de euros em subornos para atribuir a vitória a certas empresas nas privatizações que ali têm decorrido.

Casos como este repetem-se com frequência, e a falta de acção da justiça apenas reforça o sentimento de grande parte dos cidadãos de que não vivem em verdadeiras democracias. Quando assim é, não é difícil perceber porque é que o extremismo político ganha tanta aceitação.

Desatino europeu

As minhas cautelas sobre os resultados da cimeira de Bruxelas parecem mesmo ter razão de ser. Os parceiros da Sr.ª Merkel na coligação que governa a Alemanha estão a ameaçá-la com a ruptura caso haja mais cedências aos aflitos da Europa do Sul. A Finlândia, por seu lado, também  já deu o seu recado (e a Holanda parece ir pelo mesmo caminho): está contra a utilização dos fundos de resgate da Zona Euro na compra de dívida pública dos estados em dificuldades, porque “a experiência mostra que estas compras não são efectivas e porque o Fundo Europeu de Estabilização Financeira (FEEF) e o Mecanismo Europeu de Estabilização (MEE) têm recursos limitados”. Ou seja: parem lá de gastar o nosso dinheiro nisso, porque não é suficiente e não resolve problema nenhum. E o pior é que os finlandeses são capazes de ter razão.

Aumenta assim, em muitos sectores, a sensação de que o circo já está a arder. O ex-ministro dos Negócios Estrangeiros, Luís Amado, que costuma primar pelo equilíbrio e até uma certa fleuma, não tem dúvidas em afirmar que “a periferia da Europa está em chamas” e que os Balcãs entrarão em guerra civil caso a Europa não atine. Este tema, só por si, justifica um longo e detalhado post, que escreverei mais tarde, mas não quero deixar de manifestar já a minha total concordância com Luís Amado. É que, enquanto temos estado todos muito ocupados e preocupados com as crises financeiras na Europa do Sul, têm-se verificado desenvolvimentos muito graves a Leste, em países como a Roménia e Bulgária. Como não fazem parte da Zona Euro, os seus problemas económicos têm sido pouco notados no resto da Europa, mas o facto é que esses estados têm sido atingidos com extrema dureza pela crise, tanto mais que nunca chegaram a desfrutar dos níveis de conforto e bem-estar que portugueses e gregos, apesar de tudo, conseguiram alcançar.

Assim, o triunfalismo das primeiras horas após a cimeira tem dado lugar a apreciações mais críticas e cépticas. O discurso de Durão Barroso no Parlamento Europeu, na terça-feira, é exemplar nesse aspecto, e dá a entender que aquilo que há muito se temia está mesmo a acontecer: a União está a desagregar-se e os seus líderes já nem se preocupam muito em escondê-lo.

Durão bateu forte e feio, a Norte e a Sul, e em público. Imagine-se como as coisas estarão em privado, quando as portas dos conselhos europeus se fecham…