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Rússia: entre a espada e o petróleo

A Rússia é o maior produtor mundial de petróleo e o segundo maior de gás. Graças a esses trunfos, o presidente Vladimir Putin tem conseguido manter-se popular dentro de portas, ao mesmo tempo que, fora delas, vai condicionando vizinhos e adversários que dependem dos fornecimentos energéticos russos. Agora, tudo isso pode mudar. O preço do crude está a metade do que era há um ano e não é previsível que isso mude muito. A Rússia pode vir a enfrentar uma grande crise económica e política.

O petróleo e o gás natural representam dois terços das exportações da Rússia e metade das receitas do estado. Estes dois números dão bem a dimensão da dependência que o país tem relativamente a estes dois produtos.

Graças a eles, a Rússia compensou parte da perda de poder que teve depois da extinção da União Soviética. Num país onde muita da indústria se tornou pouco competitiva, ou mesmo obsoleta, e onde a população só agora começa a recuperar (muito ligeiramente) de uma queda catastrófica de 15 anos, o elevado preço do petróleo que se registou até ao início de 2014 (mais de 100 dólares por barril) possibilitou que os governos de Vladmir Putin tomassem medidas populares em termos de salários e pensões, que aumentaram o poder de compra de grande parte dos cidadãos.

Se o petróleo e o gás fortaleceram o poder interno do regime, também não deixaram de fazer o mesmo externamente. Graças ao forte controlo estatal exercido sobre as empresas do setor energético (os empresários que não alinhavam com as políticas do Kremlin foram parar à cadeia ou ao exílio), o governo de Moscovo vem travando autênticas guerras económicas com os países vizinhos que têm a veleidade de manter alguma espécie de autonomia face à Rússia.

O caso mais notório, que se mantém até hoje, é o da Ucrânia, que, muito antes de ser invadida por tropas russas, já era assediada quase todos os invernos pelos cortes de fornecimento de gás natural russo, deixando grande parte da sua população numa situação humanitária difícil. Casos como o da Bielorrússia e dos países bálticos (Estónia, Letónia e Lituânia) não têm sido tão extremos, mas nem por isso deixam de ser graves, e houve mesmo alturas em que muitos outros países europeus sofreram quebras no abastecimento, muito embora não estivessem envolvidos nas aparentes disputas de preços e pagamentos que levavam a Rússia a tomar essa medida extrema.

Além disso, com as enormes receitas proporcionadas pelo crude e pelo gás (no caso do petróleo, o preço esteve acima dos 100 dólares por barril durante anos), Putin pôde iniciar um  ambicioso programa de modernização militar que lhe permitiu adotar políticas cada vez mais agressivas nas franjas do seu território.

Um primeiro ensaio deu-se na Geórgia, em 2008, quando forças russas esmagaram em poucos dias uma tentativa georgiana de derrotar os rebeldes pró-russos da Ossétia do Sul. O segundo caso, bem mais sério, é o do leste da Ucrânia, onde separatistas apoiados por tropas russas combatem, desde o ano passado, as forças do governo de Kiev.

Este conflito levou a Europa e os Estados Unidos a imporem sanções económicas severas à Rússia. Dada a grande integração do país na economia mundial, os efeitos dessas medidas não podem ser subestimados. No final de 2014 e no início de 2015, a Rússia sofreu uma crise cambial muito grave, com a sua moeda, o rublo, a sofrer uma enorme desvalorização. Durante alguns dias, pareceu mesmo que o governo e o banco central tinham perdido o controlo da situação, mas depois conseguiram estabilizá-la, muito graças às enormes reservas de moeda estrangeira que foi possível acumular durante o período de “vacas gordas”.

De qualquer forma, há outro problema muito grave que permanece, e que parece ser duradouro: o preço do petróleo caiu para metade do que era há cerca de um ano (ronda agora os 50 dólares por barril), o que significa que as receitas do estado russo estão a sofrer um enorme rombo que não pode ser tapado (ver caixa).

Se a situação económica russa se degradar muito – o que é bem provável -, a contestação interna também aumentará. Aí, a resposta de Putin, poderá ir num de dois sentidos: apaziguamento interno e recuo externo, ou um novo salto em frente nas ambições expansionistas russas, que são bem vistas pelo grosso da população.

Para o homem que considerou a queda da União Soviética como a “a maior tragédia geoestratégica do século XX”, o recuo não parece ser uma opção. Vladimir Putin não descansará até ver a Rússia retomar as fronteiras, ou pelo menos a esfera de influência, da antiga União Soviética.

Essa poderá não ser tarefa para uma só vida, mas se o seu principal meio económico e estratégico para a concluir lhe começar a falhar, Putin poderá muito apostar tudo ou nada numa cartada final que pode ser trágica para o Mundo.

 

O mundo da energia de cabeça para baixo

Na última década, o preço do petróleo foi muitas vezes empurrado para valores estratosféricos por causa de fatores geoestratégicos mais ou menos transitórios (a invasão do Iraque, o conflito dos EUA com o Irão, a incapacidade do governo venezuelano em manter a produção do país, entre outros), mas também por causa de um problema de fundo que, tudo parecia indicar, era permanente. Falo da redução das reservas petrolíferas mundiais, ou pelo menos daquelas que era fácil e barato e explorar.

As jazidas que iam sendo descobertas estavam quase sempre situadas no mar, a enormes profundidades, o que implicava investimentos gigantescos para a sua exploração e, logo, um preço do produto mais elevado. A era do petróleo barato parecia ter chegado ao fim e o mundo começava a virar-se com mais força do que nunca para as energias renováveis.

Como tanto mudou em tão pouco tempo!

Como tem acontecido muitas vezes ao longo da História, a tecnologia veio mudar completamente o cenário. Neste caso, foram as novas técnicas de extração de petróleo e de gás das formações rochosas de xisto.

Já há muito que era sabido que esses hidrocarbonetos estavam presentes um pouco por todo o lado, mas ninguém tinha percebido como podia ser possível retirá-los de uma forma economicamente compensadora.

A solução, encontrada nos Estados Unidos, ficou conhecida como fracking e permite retirar muito gás e petróleo, de milhares de sítios, com custos muito baixos. É por isto que, em poucos anos, os EUA deixaram de ser o maior importador de energia do mundo e tornaram-se autossuficientes. A consequência lógica foi a descida acentuada das cotações do crude e do gás, que foi ainda potenciada pela decisão da Arábia Saudita de não baixar a sua produção.

Como é fácil de ver, os países muito dependentes das receitas petrolíferas estão a sofrer muito com esta nova situação. A Rússia de Putin tem vivido e prosperado pelo petróleo; agora, pode bem morrer por ele.

Este texto reproduz, com alterações mínimas, o artigo que escrevi para o número de Abril da revista “Família Cristã”

Crise dos reféns na Argélia

O que se temia há meses aconteceu: a penetração dos extremistas islâmicos no Mali alastrou a um país vizinho, neste caso a Argélia, provocando ali uma situação de grande gravidade.
No momento em que escrevo estas linhas ainda é cedo para dizer com certeza qual foi a dimensão da matança no campo de gás de Amenas, mas mesmo assim podemos tirar pelo menos uma conclusão.
Dada a rapidez e a violência da resposta militar do governo argelino, é notório que a sua preocupação com a sobrevivência dos reféns é secundária. A sua primeira prioridade é resolver o sequestro o mais rapidamente possível, evitando uma tempestade mediática que apenas beneficiaria os atacantes e, simultaneamente, a possibilidade de interferências externas. Não é por acaso que o primeiro-ministro britânico, David Cameron, já veio dizer que gostaria de ter sido avisado com antecedência da acção militar argelina. Ele não foi e Obama também não deve ter sido.
Com esta resposta em força. os argelinos tentam dar um aviso muito forte a todos os extremistas que possam sentir-se tentados a copiar o exemplo de Mokhtar Belmokhtar: não negociamos, não cedemos e não esperamos; quem usar a força contra nós terá como resposta imediata a força, independentemente de haver estrangeiros no meio ou não.
O governo de Argel não admite ameaças à principal fonte de receitas do país, o gás natural. Ataques deste tipo podem causar-lhe enormes danos económicos, e até instabilidade política.
É preciso também não esquecer que a Argélia é o terceiro maior fornecedor da Europa e que 40% do abastecimento português vem dali, fazendo da Argélia um dos nossos maiores parceiros comerciais. Este mapa mostra bem como é que os dois países estão muito mais próximos e unidos do que poderia parecer à primeira vista. Portugal tem interesses, e bem grandes, a defender na Argélia.